Sobre certificações em TI

O colega Fábio Prado me pediu minha opinião sobre certificações, para ajudar num artigo dele sobre o assunto…. então resolvi deixar registrado por aqui. Quem me conhece sabe que sou uma pessoa de opiniões fortes, tanto na forma quanto no conteúdo. Então vou tentar fazer um esforço de escrever de forma um pouco mais racional, para não acharem que se trata apenas de torcida organizada sobre o assunto.

Eu tomei contato com as certificações pela primeira vez na década de 90, quando estavam em alta as certificações da Novell. Já nesta época tirar uma certificação era sinônimo de reconhecimento profissional e investimento em termos de tempo e dinheiro. Tirar uma certificação lhe daria credibilidade no mercado, mas lhe custaria tempo para estudar e dinheiro para pagar cursos oficiais, provas e livros. A primeira coisa que fica claro é que as certificações são uma fonte de receita fácil para quem vende um produto. Vender certificação pode incluir a venda de livros oficiais, pagar para fazer a prova e até mesmo te obrigar a fazer um curso oficial para obter o tal certificado, que no final é um pedaço de papel, como o diploma da faculdade.

Em 2016 participei de um debate sobre a regulamentação do mercado de TI. Minha opinião sobre o assunto é semelhante a da SBC (Sociedade Brasileira de Computação):  Não contribui com o mercado, não contribui com o profissional, não contribui com as instituições de ensino, mas pode contribuir com um pequeno grupo de pessoas interessadas em criar umas um conselho regulador e cobrar taxas para que os profissionais exerçam sua profissão. Assim como você não precisa de um diploma de jornalismo para trabalhar como jornalista, você não precisa de um diploma para trabalhar com informática. Isso não significa que os cursos de jornalismo ou de informática deixaram de existir, não é mesmo? A mesma lógica se aplica às certificações, mas de formas diferentes.

Existem diversos tipos de certificação. Então seria uma boa ideia separar cada uma delas. Existem certificações voltadas para profissionais que estão iniciando sua carreira no mercado de informática. Uma vez dei um curso para pessoas que queriam tirar certificação Oracle.  Nenhum deles tinha experiência prática como DBA e nem estava interessado em aprender do começo. Além da experiência, a  bibliografia deles no assunto era nula ou quase nula. Ou seja, eles queriam apenas passar na prova. E como profissional e educador, isso me incomodou profundamente, nunca mais dei um curso desse tipo. Estas provas em geral são apenas um questionário preenchido num computador com uma duração definida. Existem provas que você pode até mesmo fazer em casa no seu computador. Eu já tirei certificação Oracle assim. Estudei uma tarde e fiz a prova à noite. Passei fácil e não precisei colar.

O que uma prova assim diz sobre a minha pessoa?

  • Eu tenho bons conhecimentos sobre o assunto ou
  • Eu tenho uma boa capacidade de memorização ou
  • Eu tive acesso a uma boa “cola”

Certificações para iniciantes podem ser uma porta de entrada para o mercado de trabalho. Quando o mercado de trabalho está fraco, sobram candidatos e as empresas costumam colocar a certificação como um pré-requisito para a vaga. Quando o mercado está aquecido, achar um bom profissional é mais difícil e estas regras são mais flexíveis. O problema é que ao contratar o profissional que tem mais certificações, que fez cursos oficiais e coisa e tal, você pode estar perdendo os melhores profissionais, os autodidatas, os que tem experiência prática, mas não tem certificação, etc. E para o profissional, significa ter um custo enorme a mais para ingressar no mercado. Agora se você não é autodidata e quer fazer um curso para aprender sobre determinada tecnologia, existem excelentes opções, mais baratas e melhores que os cursos oficiais daquela tecnologia. Eles não têm o “selo” do fornecedor, mas são ministrados por profissionais reconhecidos, como, por exemplo, os cursos do próprio Fábio Prado ou do Ricardo Portilho, falando aqui sobre Oracle.

Aqui temos uma boa tradição em cursos também. Como não existe certificação para PostgreSQL, os cursos são focados em problemas reais dos nossos clientes. Muitas vezes fazemos cursos sob medida para um cliente, para atacar um problema real que ele tem. Fazemos também o que chamamos de “Cursotoria”, uma consultoria misturada com treinamento que dá ao cliente um resultado concreto e onde todos os participantes se envolvem mais energicamente.

Existem certificações mais avançadas e no estilo “hands on”. Ou seja, te dão um terminal com uma situação problema e você tem um tempo limitado para resolvê-lo. São certificações muito mais confiáveis em termos de metodologia, as pessoas que passam nestes exames realmente tem que ter mais conhecimento e experiência. Em geral, as pessoas que passam nestas provas são profissionais já reconhecidos no mercado e que podem pagar caro pelo custo deste tipo de certificação. Em alguns casos você só pode fazer a prova nos EUA, por exemplo. Se o profissional já é experiente, uma certificação não amplia muito a sua empregabilidade. Profissionais de alto nível são raros no mercado e a maioria já está bem empregada, com ou sem certificação.

Na comunidade de PostgreSQL houve uma longa discussão se deveríamos ou não criar uma certificação oficial. Após pesar os prós e contras, a comunidade decidiu em não criar, ou pelo menos não focar esforços nisso. Existe muita coisa importante para fazer em prol do PostgreSQL e certificação não é uma delas no momento. A avaliação da maioria é que ter um produto com boa qualidade é o que faz ele competitivo no mercado e tem muita coisa no roadmap pela frente. Divulgação e ações de advocacy também são importantes e precisam melhorar, mas as certificações não têm sido uma barreira para o crescimento até o momento. Pelo menos essa é a percepção que eu tenho acompanhando a comunidade internacional.

Existe um cenário onde eu concordo que a certificação tem seu valor. Em órgãos públicos, contratar empresas para prestar serviço é um grande desafio. Há tempos atrás a Caixa Econômica Federal fez uma licitação onde a empresa que prestaria suporte em PostgreSQL tinha que comprovar que possui profissionais que atuaram no desenvolvimento do PostgreSQL nos últimos anos. Hoje, quase todos os desenvolvedores ativos do PostgreSQL no Brasil estão na Timbira. É complicado fazer uma licitação onde o critério elimina a concorrência. Por isso outras empresas não adotaram este tipo de edital. A maioria prefere exigir que as empresas tenham profissionais certificados em determinada tecnologia. Isso afasta as empresas pernetas que ganham licitações com um preço muito baixo e sem profissionais qualificados. Realmente, licitações públicas são um problema sério no Brasil. Este é um caso onde a certificação pode ajudar. Mas ainda acho que isso é uma forma crua de contornar um problema maior: o modelo de licitação pública que é ruim e dificilmente pune as empresas ruins. Os certificados de capacidade técnica em licitações também são fornecidos pelo Zé da esquina e falsificados sem o menor pudor. Se os maus fornecedores fossem punidos com mais rigor, os picaretas sumiriam. É um assunto longo e extenso que não diz respeito ao tema aqui discutido, nem tenho tanto conhecimento assim para entrar nesta seara. O ponto é que as certificações podem ser uma muleta válida neste tipo de situação. Veja que isso não inclui a contratação direta de profissionais, que deve ser feita por concurso público, onde as certificações não fazem a menor diferença, pois a prova do concurso pode ser moldada às expectativas do contratante com muito mais assertividade.

As certificações podem, sim, ser um bom guia de estudos. Mas ainda acredito que a bibliografia hoje disponível pode lhe guiar muito melhor. Acredito que as certificações têm um certo fetiche para os profissionais. Ser reconhecido e alcançar um objetivo lhe confere algum status e dá uma sensação de realização importante para o ser humano. Eu gosto de ter este tipo de realização de outra forma, enfrentando outros desafios. Você pode não ter desafios reais no seu trabalho, mas pode criar seus próprios desafios e metas pessoais. Montar um laboratório e tentar atingir um objetivo prático ainda é na minha opinião a melhor forma de aprender. Foi assim que comecei com banco de dados, catalogando os discos do meu pai num banco de dados. É assim que faço até hoje com meu laboratório em casa. É assim que consigo compartilhar boa parte do conhecimento que tenho acumulado nestes anos como profissional de informática.

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