Nerd e além…

A primeira vez que eu ouvi falar na palavra  “nerd” foi no filme “A Vingança dos Nerds” de 1984. Eu realmente não achava que tinha alguma coisa haver com eles. Apesar disso, eu já tinha um óculos “fundo de garrafa”, uma curiosidade natural para ciências e muita facilidade com matemática. Lembro-me de pegar o livro de matemática da escola e por diversão e fazer todos os exercícios do livro até o final do ano. O professor não gostou nada disso. Por outro lado, eu era canhoto e tinha uma dificuldade natural com a escrita cursiva. Então eu não gostava de escrever muito. Mas foi aos 11 ou 12 anos que meu pai comprou um CP400 que ele usou para escrever a tese de mestrado dele. Nessa época eu tenho de confessar que minha vida passou a girar um bocado em torno da desta maquineta. Logo eu aprendi a me virar com o inglês par poder estudar os manuais e programar um pouco. E veio a coleção da INPUT e o CP400 deu lugar ao Apple II e por aí foi. De fato até o final do ensino fundamental eu não tinha um rol enorme de amigos mas em geral eles não eram nerds.  Com a notável exceção para o Chico, que era fera. Ele de fato era melhor e mais criativo que eu em matemática. Hoje ele trabalha num tal de Google, manja?  O fato é que eu resolvi fazer um curso de eletrônica (programar eu aprendia sozinho, achava eu). E achava que lá seria a meca dos nerds. Bom, não foi bem assim. O fato é que eu fui me encontrar mesmo foi com a turma do grêmio. E a paixão pela política e por querer mudar o mundo é que me trouxeram os grandes amigos. Não foram os nerds.

E depois disso eu acabei virando professor, fui cursar ciências sociais… até que veio o casamento e voltei para a área de informática. E foi mais ou menos nessa época em que ser nerd virou uma coisa bacana, virou cool. A internet já tinha virado parte das nossas vidas, todo munto queria ter um iALGUMA_COISA. Surgiu até a expressão Geek que seria talvez um nerd mais descolado. E começou a sair um monte de gente do armário. De repente o cara que gostava de gibi do Homem Aranha era nerd. Mas isso tudo foi antes do seriado “The Big Bang Theory” chegar. Confesso que acho o seriado muito massa. Gosto mesmo. Seja lá o que estiver na moda… estar na moda é em geral uma atitude burra para mim.

Não que eu não tenha assumido meu lado nerd. Depois que comecei a trabalhar em tempo integral com informática eu li todos os livros do Tolkien, os 6 livros do “Guia do Mochileiros das Galaxias” e vários livros do Asimov e considero o Tesla um dos cientistas mais Rock’n Roll que já existiram. Mas para além das definições de o que é ser nerd ou geek tem uma que me é muito mais valiosa e que há muito caiu em descrédito graças aos esforços massivos para desacreditar um grupo pioneiro da informática: os hackers. Para quem não sabe, hacker não tem nada haver com pessoas mal intencionadas que ficam invadindo computadores alheios. O que aconteceu é que esse grupo de pessoas tem um conhecimento bem acima da média sobre computadores e fizeram duras críticas a vários softwares existentes no mercado. Algumas dessas críticas incluíam questões de segurança e eles demonstraram na prática porquê vários sistemas eram ruins neste sentido. Claro que as grandes empresas ao invés de melhorarem a qualidade dos seus produtos acharam mais barato dizer que os hackers estavam invadindo sistemas alheios. Pura invencionice que pegou, afinal, muito jornalista foi pago para divulgar essa imagem. A verdade é que o termo hacker vem de um grupo de pessoas que se dedicaram a estudar os computadores mais a fundo e tinham como princípio divulgar abertamente entre os seus pares tudo aquilo que aprendiam. Assim esse grupo conseguiu evoluir rapidamente e fundou muitos dos princípios da informática que vemos hoje. Um hacker jamais se auto-denomina assim. Uma pessoa é hacker se ela é assim considerada pelos seus pares. É como se fosse um título honorário. Um hacker é uma pessoa apaixonada e dedicada a estudar um assunto específico. Um hacker não esconde o seu conhecimento sob uma capa. O hacker é a alma por baixo do Software Livre. Jamais existiria software livre se não houvesse uma cultura hacker capaz de sustenta-la e lhe dar vida.

Não posso me considerar um hacker, nem sou assim considerado pelos meus pares. Mas meus pares na Timbira (leia-se aqui, Euler Taveira, Fabrízio de Royes Mello e Dickson Guedes) por exemplo são possivelmente os maiores hackers de PostgreSQL que eu conheço no Brasil. E nos damos muito bem. Embora eu não seja um bom programador, tenho uma contribuição diferente que também tem seu valor. Eu já escrevi bastante sobre PostgreSQL possivelmente uma das pessoas que mais publicou artigos técnicos sobre o assunto em terras tupiniquins. Sim… a promessa do livro ainda está super de pé. Hoje eu acho que tenho mais valor como palestrante, escritos e quiçá evangelista de software livre, do que como um possível e pretenso hacker. Mas não perdi as esperanças de me aprofundar em programação e dar o meu quinhão de contribuição com código.

Mas hoje, nessa minha fase de redescobrimento da vida eu me pergunto enfim: sou apenas um nerd então? E eu mesmo me respondo: nem a pau Juvenal. E não sou só eu. Tem muito nerd boa pinta por aí. Já conheci até mesmo um DBA bombado que hoje luta Jiu Jitsu. E por aí vai… um dos melhores palestrantes brasileiros de PostgreSQL, o Sr Diogo Biazus, um dia me aparece de moicano em pleno PGBR2011. Uma figuraça. Outro grande amigo está se empenhando numa nova carreira de psicanalista. Outro já foi um grande ativista político e é um excelente articulador. Lembro do David Fetter que veio para o PGBR de 2007 com uma bicicleta na bagagem só para poder pedalar no Brasil. Outra figura. O Josh Berkus adora culinária. O Bruce Monjiam passa metade do ano viajando pelo mundo em peregrinação para falar sobre PosgreSQL. Tem o Daniduc que abandonou uma boa carreira na informática e foi morar na Holanda com a esposa e hoje vivem a partir dos seus blogs. Confesso que um dia quero escrever como esse cara. E por aí vai. Claro, temos sempre um Marcelo Tosatti que tem aquele jeito de nerd clássico. Quando eu conheci ele, tinha dificuldade de falar em público, mas já tinha um cabelo rastafari que mostrava que dali outras ideias brotavam também.

E hoje trabalho com nerds fantásticos, com uma cabeça incrível e que mostram que um nerd pode crescer e ser muito mais do que isso na vida. Ser nerd pode ser muito legal. Nada contra. Mas ser humano, ou melhor, ser você mesmo é o que realmente importa, não é mesmo?

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